MEDICINA HIPERBÁRICA |
*Vestígios pré-históricos revelam que há milhares de anos atrás, nossos ancestrais já haviam explorado o mundo submarino a procura de alimento. A
exploração do ambiente aquático era limitada, na época, pela impossibilidade de
respirar dentro d'água e pela pressão que a água exerce sobre o organismo
humano. Historicamente, ocorreram progressivas tentativas de superar as limitações do meio aquático, com o uso de equipamentos que permitissem aumentar o tempo de imersão ou profundidade atingida. O uso de equipamentos individuais de mergulho, já era assinalado
pelos fenícios no século IX a.C.. Os sinos de mergulho foram relatados por Aristóteles
em 325 a.C.. Em 1662 Henshaw descreveu o sino de imersão, com sistema de ventilação
a fole (Figuras 1 e 2). Clique nas figuras Informações sobre trajes de mergulho, com provisão de ar vinda da superfície,
facultando submersão de maior permanência, datam do século XVII. No
século XIX, com o desenvolvimento de equipamentos individuais de mergulho
eficientes (Figura 3) e uso de tubulões pneumáticos em obras de construção de pontes
e minas, foram delineados o potencial e limitações na exposição do
homem ao ambiente subaquático ou pressurizado. Figura 3 Devido a patologias relacionadas com ambiente subaquático ou pressurizado, tornou-se necessária a intervenção de médicos e pesquisadores. É marco histórico, o trabalho do fisiologista francês Paul Bert, que em 1876 publicou a obra "A Pressão Barométrica", origem da fisiologia hiperbárica e base da medicina hiperbárica moderna. O
trabalho de Paul Bert criou a área médica dedicada ao estudo das alterações
fisiológicas e metabólicas do organismo exposto a pressões superiores à
pressão atmosférica e sistematizou a
oxigenoterapia A
medicina hiperbárica está subdividida em duas áreas. Uma delas é
dedicada à atividade profissional e saúde ocupacional de mergulhadores
(mergulho de A outra área da medicina hiperbárica está voltada à aplicação clínica da oxigenoterapia hiperbárica em ambiente hospitalar. Seu desafio é a pesquisa e sistematização de protocolos que demonstrem, com rigor científico, o potencial clínico dessa terapêutica.
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*Os
efeitos mecânicos do aumento da pressão atmosférica absoluta durante o procedimento da OHB
podem corresponder a barotraumas das cavidades preenchidas por ar, tais
como pulmão, ouvido médio e seios da face. 1.
Barotrauma
do ouvido médio: É composto por várias estruturas, cada uma com função específica: a membrana timpânica (Figura 4-a) recebe os estímulos auditivos do meio externo, que serão transmitidos ao tímpano. O ouvido médio comunica-se com a nasofaringe, por meio do canal membranoso, também denominado trompa de Eustáquio (Figura 4-b).
O ouvido médio está sujeito às variações de pressão barométrica do ambiente, podendo provocar inclusive a ruptura da membrana timpânica (Figura 4-a). Para evitar esse problema, o paciente a ser submetido ao tratamento de oxigenoterapia hiperbárica é orientado a realizar a "manobra de Valsalva", que promove equalização da diferença de pressão entre o meio externo (câmara hiperbárica) e o ouvido interno. A manobra, descrita pelo fisiologista italiano Valsalva, consiste no ato do paciente provocar o mecanismo de expiração, mantendo a boca fechada e nariz tapado como os dedos, assim, o ar, que deveria ser expirado, passa através da trompa de Eustáquio (Figura 4-b) para o ouvido interno. 2.
Barotrauma
Sinusal: Os principais
seios sinusais são: frontal (Figuras 5-1 e 6-a),
esfenoidal (Figura 5-2), maxilar (Figura 6-b) e paranasal (Figura 6-c). Clique
nas figuras para ampliá-las. Figura 6 Os seios da face comunicam-se por meio de canais membranosos com a nasofaringe. Estão sujeitos à variação de pressão barométrica durante o procedimento de OHB. Quando os canais membranosos estão obstruídos por secreção, a equalização fisiológica entre as pressões interna e externa poderá ser dificultada, podendo causar dor local e hemorragia. 3.
Barotrauma Pulmonar: Alguns
desses tecidos são sensíveis à variação de
pressão atmosférica durante o procedimento de OHB, podendo ocorrer sangramento e
enfisema durante a exposição hiperbárica excessiva. 4. Embolia Traumática pelo Ar: Caso o assistido inspire o oxigênio hiperbárico e retenha a respiração em apnéia e, acidentalmente, ocorra rápida despressurização (como no mergulho, em uma subida muito rápida à superfície), o pulmão, pela diminuição da pressão externa, ficará submetido à expansão súbita, que provoca aumento de sua pressão interna pulmonar e ruptura alveolar (barotrauma pulmonar). Nessa hipótese, a ruptura dos alvéolos
pulmonares pode provocar: Esse
acidente é denominado embolia traumática provocada pelo ar (ETA). Figura 8 Embolia
traumática |
1. Mergulho livre em apnéia ou “snorkeling”: é praticado com equipamento básico, ou seja, máscara, snorkel (tubo) e nadadeiras. 2. Mergulho
Autônomo: o mergulhador utiliza equipamento com suprimento de ar comprimido.
3. Mergulho de Saturação: utiliza equipamento especial para mergulho em alta profundidade.
No
mergulho livre em apnéia o mergulhador pode permanecer nadando na superfície
da água e boiando, respirando por meio do snorkel
(tubo), ou mergulhar em apnéia (Figura 9).
Figura 9
No mergulho autônomo, como o próprio nome sugere, o mergulhador não depende do suprimento de oxigênio da superfície, pois carrega, em cilindro de imersão, o ar comprido necessário. Em
1943, o oceanógrafo francês Jacques Cousteau inventou o equipamento de mergulho autônomo convencional,
denominado “Aqualung“ (Figura 10).
Figura 10 No
mergulho autônomo, o ar atmosférico é comprimido em cilindro de aço ou
alumínio,
sob pressão 200 vezes maior que a da atmosfera. Na saída de ar do cilindro de imersão é acoplada uma válvula redutora, que diminui a pressão de saída para aproximadamente 8 atmosferas. Uma segunda válvula redutora de pressão é acoplada ao bocal de respiração do equipamento de imersão. Assim, o ar comprimido, que será inspirado pelo mergulhador, terá pressão semelhante a da água na profundidade em que se encontra. É
o equilíbrio entre a pressão interna da caixa torácica e a pressão externa do meio aquático
(pressão atmosférica relativa)
que permite
ao mergulhador o movimento respiratório normal. Como
o ar atmosférico dentro do cilindro é comprimido sob alta pressão, a quantidade de
moléculas a ocupar o mesmo espaço é maior. Esse conceito é conhecido como O
ar ou gás atmosférico
é uma mistura gasosa, contendo em volume 20,94% de oxigênio,
78,08% de nitrogênio, cerca de 0,04% de dióxido de carbono e traços de gases,
como argônio, hélio e criptônio. O ar que respiramos, portanto, em termos práticos,
é composto por 21% de oxigênio e 79% de nitrogênio.
Na
atividade de mergulho autônomo o suprimento de ar comprimido provoca saturação
de moléculas gasosas no interior do organismo. Nessa saturação o nitrogênio, principal componente do ar atmosférico (78%), não é metabolizado de forma adequada pelo organismo e se dissolve nos tecidos. Durante o procedimento de imersão do mergulhador, a dissolução tecidual e acúmulo do nitrogênio não provocam problemas ao organismo. O
mesmo não pode ser afirmado com relação à fase de emersão do mergulhador.
Durante esse procedimento, a pressão externa diminui e o nitrogênio, que estava
dissolvido nos tecidos, se expande rapidamente, formando microbolhas. Isso é
denominado doença descompressiva. A analogia clássica para explicar tal fenômeno é o que acontece com a garrafa de champanhe, quando aberta. A pressão dentro dela, que era grande, diminui ao contato com a atmosfera e o gás, fisicamente dissolvido, desprende-se. Isso é descrito pela Lei de Henry. O
nitrogênio,
expandido em inúmeras microbolhas,
pode permanecer na região anatômica em que estava dissolvido, provocando dor quando
esse fenômeno ocorre na articulação. Em casos graves,
as microbolhas podem provocar embolia gasosa cerebral. Para
evitar esse problema, existem regras de emersão, que dosam a velocidade na qual o
mergulhador pode retornar à superfície. Foram criadas tabelas determinando,
por exemplo, a profundidade e duração do mergulho e tempo de emersão. Essas tabelas avaliam a quantidade de gás inerte, acumulada no organismo durante a imersão, bem como indicam a velocidade de emersão, para que o gás possa ser adequadamente eliminado pelas vias aéreas respiratórias. De
acordo com tais tabelas, por exemplo, é considerado adequado um procedimento de
emersão a velocidade de 18 metros por minuto, com três paradas: a primeira a 9
metros de profundidade,
a segunda a 6 metros e a última a 3 metros da superfície. Respeitando
as regras e tabelas o risco diminui, mas não desaparece, porque o padrão
que determina esses cálculos é baseado em dados da resistência de um mergulhador jovem
e em boa
forma física. A
desobediência das regras de mergulho pode causar a doença
Quando o mergulhador realiza emersão, sem obedecer as normas de descompressão e sem respirar adequadamente, o nitrogênio, dissolvido nos tecidos, expande-se rapidamente, conforme a pressão externa diminui. Localizadas no pulmão, as moléculas expandidas desse gás rompem o tecido parenquimatoso pulmonar, invadindo a pleura, provocando pneumotórax, que, por sua vez, colapsa o pulmão. Esse fenômeno é conhecido como embolia traumática provocada pelo ar (Figuras 8 e 11), que, embora seja rara, pode ocorrer em qualquer profundidade, originando quadro clínico grave e de difícil tratamento. A oxigenoterapia hiperbárica tem indicação nesse caso. Figura
11
Outra
manifestação importante, que pode ser apresentada pelo mergulhador, é a narcose
provocada A narcose decorre da interferência
do nitrogênio na transferência de cargas elétricas na despolimerização das
membranas dos axônios, durante o estímulo nervoso. A narcose provocada pelo nitrogênio é também conhecida por embriaguez das profundidades, porque pode causar amnésia no mergulhador, fazendo-o esquecer de retornar à superfície ou, ainda, aumentar a profundidade. Por
esse motivo, é regra básica o mergulho ser realizado por dois ou mais
mergulhadores.
No caso de acidentes de mergulho, a oxigenoterapia hiperbárica (OHB) tem notável efeito nos tratamentos de doença descompressiva e embolia traumática provocada pelo ar. As altas tensões de oxigênio permitem rápida remoção do nitrogênio dissolvido nos tecidos e de suas microbolhas, permitindo a eliminação do nitrogênio em excesso, pela via respiratória. O tratamento consistirá
em nova compressão em
câmara
hiperbárica,
seguida de gradual descompressão, simulando uma emersão padrão, de modo que
os gases absorvidos possam ser fisiologicamente eliminados pelo organismo. |
O mergulho de saturação corresponde à atividade de mergulhador profissional em alta profundidade, como, por exemplo, o trabalho do mergulhador de plataforma submarina de exploração de petróleo, que imerge a mais de 300 metros de profundidade, para manipular válvulas nos oleodutos ou fazer reparos nos equipamentos. Essa
atividade exige que o trabalhador-mergulhador se adapte à condição ambiental
adversa, em que
a pressão pode atingir 30 atmosferas, que correspondem a cerca de 45 toneladas. O organismo do mergulhador deve ser pressurizado de forma gradual, para equilibrar a pressão dos gases de seu corpo com o meio externo na profundidade necessária. Caso
contrário, a pressão mecânica, exercida pela água, pode colapsar as cavidades preenchidas por
ar do mergulhador, provocando, por exemplo, ruptura dos pulmões e membrana timpânica, hemorragia dos seios
sinusais da face. O mergulho de saturação conduziu a pesquisas tecnológicas, em especial para encontrar uma mistura gasosa, que, sob alta pressão, não provocasse efeitos colaterais no organismo. O
mergulho autônomo não deve superar 40 metros de profundidade, pois, até essa
profundidade, o mergulhador respira ar atmosférico comprimido. Porém, em profundidade maior a respiração
desse ar pode ser fatal. No mergulho em profundidade, a narcose provocada pelo nitrogênio seria inevitável. O
nitrogênio foi substituído pelo hélio, de peso molecular inferior e mais
facilmente eliminado pelo organismo. Antes
do mergulho de saturação, o trabalhador realiza período de adaptação em câmara hiperbárica,
por 24 horas, respirando a mistura gasosa heliox, composta por hélio
e oxigênio. No
emprego da mistura gasosa heliox no mergulho de saturação o mergulhador
apresentava tremor e náusea, durante a fase de compressão. Esses sintomas estavam
relacionados à velocidade de compressão. Essa manifestação foi denominada síndrome neurológica
das altas Foi
criada a mistura trimix, composta por hélio, oxigênio e 5% de nitrogênio,
pois o nitrogênio nessa concentração auxilia o controle dos referidos
sintomas, sem causar narcose provocada pelo N2 No mergulho de saturação, o mergulhador deve permanecer dentro de câmara hiperbárica por vários dias (Figura 12). Clique
nas figuras Para atingir a profundidade necessária e exercer suas atividades profissionais, o mergulhador utiliza sino de transporte, que, para a imersão, é desacoplado da câmara hiperbárica, a qual permanece no convés do navio (Figura 13). Figura
13 O sino de transporte (Figuras 14 e 15) possui a mesma pressão da câmara hiperbárica. A operação de descida é realizada com dois mergulhadores.
Figura 14
Figura 15 Ao retornar à superfície, o sino de imersão é acoplado à câmara hiperbárica, para que o mergulhador seja submetido à descompressão. |